Início Saúde Estudos ligam vacina contra herpes zoster à menor incidência de Alzheimer

Estudos ligam vacina contra herpes zoster à menor incidência de Alzheimer

0

Neurocirurgião da Unicamp comenta achados promissores para a prevenção das condições e reforça a importância da cautela diante de dados ainda preliminares

Resultados promissores divulgados nos últimos meses têm despertado interesse da comunidade médica e científica. Estudos realizados em diversos países sugerem que a vacinação contra o herpes zoster – infecção causada pela reativação do vírus varicela-zoster, o mesmo da catapora – pode reduzir o risco de demência, incluindo a doença de Alzheimer.

Os resultados, ainda que preliminares, mostram consistência entre diferentes populações e metodologias. Na Austrália, um estudo observacional com mais de 100 mil participantes, baseado em uma política de vacinação por faixa etária, identificou uma redução de quase 30% no risco de demência entre os vacinados com Zostavax¹. No País de Gales, uma análise envolvendo cerca de 280 mil indivíduos também avaliou o impacto da mesma vacina e encontrou uma redução de 20% no risco de demência entre aqueles que receberam a vacinação.

Já nos Estados Unidos, um estudo com mais de 100 mil participantes comparou diferentes imunizantes – o mais recente Shingrix, o Zostavax e vacinas não especificadas contra outras doenças – e identificou uma diferença de até 17% na proteção contra demência³. Ainda não é possível afirmar qual vacina seria mais eficaz nesse contexto. Outro estudo norte-americano apontou a relação em um universo de mais de 20.000 adultos mais velhos, mostrando que aqueles que receberam a vacina Zostavax contra o herpes zoster tinham 21% menos chance de desenvolver demência⁴.

Por fim, em 2024, uma meta-análise internacional publicada na revista Brain and Behavior reuniu dados de mais de 100 mil pacientes de diferentes regiões e estimou uma redução média de 16% no risco de demência entre os vacinados com Zostavax e Shingrix⁵.

Embora essas pesquisas sejam observacionais, a convergência de resultados em contextos distintos fortalece a hipótese de que a vacina pode exercer um efeito protetor no cérebro. “Ainda não podemos afirmar que a vacina contra o herpes zoster previne diretamente a demência, mas os dados obtidos impressionam e dão esperança. O padrão observado merece atenção e aprofundamento ao longo dos próximos anos”, avalia o Dr. Marcelo Valadares, neurocirurgião funcional e pesquisador da Disciplina de Neurocirurgia na Unicamp.

Hipóteses para a associação entre vacina e redução da demência

Os mecanismos por trás dessa possível proteção ainda estão sendo investigados, mas os cientistas já trabalham com algumas hipóteses:

1. Prevenção da reativação viral e da neuroinflamação

O vírus varicela-zoster pode permanecer inativo no sistema nervoso por anos após a infecção inicial e reativar-se mais tarde, causando inflamação crônica em regiões neurais. Esse processo inflamatório persistente pode contribuir para o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas. A vacinação previne a reativação do vírus e, por consequência, pode reduzir esses processos inflamatórios.

2. Modulação imunológica ampliada

Vacinas como a Zostavax, que usam vírus vivos atenuados, podem estimular o sistema imunológico de forma mais abrangente, gerando um efeito chamado “imunidade treinada”. Isso significa que o organismo passa a responder de maneira mais eficaz a outras ameaças, inclusive inflamações associadas à neurodegeneração.

3. Redução de infecções e complicações secundárias

Ao prevenir a ocorrência do herpes zoster, a vacina também reduz o risco de complicações neurológicas, como encefalites e neuralgias, que podem desencadear ou agravar processos cognitivos degenerativos.


Importância da cautela

Atualmente, a vacina é indicada para pessoas acima dos 50 anos como forma de prevenir complicações dolorosas associadas ao herpes zoster (disponível na rede privada e com incorporação prevista na rede pública do Brasil pelo Sistema Único de Saúde – SUS). Se os efeitos neuroprotetores forem confirmados, seu uso poderá ser ampliado, o que pode influenciar futuras diretrizes de saúde pública. Por enquanto, essa possibilidade deve ser vista com interesse e cautela.

“Estamos em um momento empolgante da pesquisa sobre doenças neurodegenerativas, com muitas descobertas em andamento. Mas é fundamental lembrar que correlação não é o mesmo que causa. Precisamos de estudos clínicos bem desenhados antes de transformar essas evidências em recomendações”, afirma o Dr. Valadares. “Se confirmada a correlação, podemos estar diante de uma medida de prevenção acessível e eficaz contra uma das doenças mais impactantes da atualidade”, conclui o neurocirurgião.


Prevenção e tratamento: o que já se sabe

Atualmente, a única prevenção contra o desenvolvimento de demências passa por escolhas diárias: alimentação equilibrada, prática de exercícios, sono regular, estímulos cognitivos e controle de fatores como hipertensão, diabetes e colesterol. Esses hábitos ajudam a reduzir o risco de declínio cognitivo com o avançar da idade, uma vez que protegem o cérebro contra inflamações, problemas vasculares e perda de conexões entre neurônios. Entretanto, ainda não há cura detectada.

Quando o quadro se instala, o tratamento busca retardar a progressão dos sintomas e preservar ao máximo a autonomia do paciente. Medicamentos, terapia neuromodulatória e acompanhamento multidisciplinar com profissionais como neurologistas, psicólogos e cuidadores auxiliam na melhora da qualidade de vida do paciente. O apoio contínuo aos familiares, com empatia, também é fundamental para administrar a condição.

Fonte: Dr. Marcelo Valadares -médico neurocirurgião e pesquisador da disciplina de neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP

 

SEM COMENTÁRIOS

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Sair da versão mobile